Deputados dão uma de cientista maluco na reforma política

Eles podem aprovar em primeira votação o “distritão misto” – algo inexistente em qualquer outro país – e o fundo de R$ 3,6 bilhões, para que o Tesouro financie as campanhas do ano que vem

Congresso Nacional está se transformando num laboratório em que cientistas malucos se preparam para produzir uma explosiva reforma política.

Os caldeirões foram acesos às 13h desta terça-feira (22/08), para a tentativa de votação, abortada na semana anterior, de um texto que mudaria o sistema eleitoral brasileiro e reservaria R$ 3,6 bilhões para o financiamento das campanhas de 2018.

Pouco antes das 22h, a sessão foi encerrada, antes mesmo de qualquer votação, em razão da falta de acordo sobre as propostas em discussão. O assunto deve ser rediscutido nesta quarta (23/08).

Mas os políticos têm pressa. Para saírem do vazio institucional e poderem aplicar uma nova Lei Eleitoral em 2018, tudo precisa ser votado até o dia 7 de outubro – exatamente um ano antes do primeiro turno do ano que vem.

E como muitos itens exigem mexer na Constituição, são necessárias duas votações na Câmara e duas outras no Senado, todas as quatro por maioria qualificada (mais que a maioria simples, ou, por exemplo, 308 dos 513 deputados da Câmara).

Veja, em detalhes, os ingredientes dessas grandes loucuras que poderão machucar ainda mais a democracia.

“DISTRITÃO MISTO”

O modelo de votação é inédito, e não é aplicado nem nos quatro países de baixa tradição democrática – como o Afeganistão – em que vigora o distritão original.

distritãofunciona com a transformação de cada um dos 27 Estados num distrito eleitoral, em que são eleitos aqueles que encabecem a votação, sem levar em conta os votos dos partidosou coligações.

A palavra “misto” foi integrada ao vocabulário político de Brasília na quarta-feira anterior (16/08), quando se sugeriu – o autor da ideia permaneceu anônimo – que se deixasse aberta a possibilidade de o eleitor votar apenas no partido.

Esses votos seriam então distribuídos pelos mais votados da sigla.

Esse sistema acaba com os partidos políticos, já que o eleitor vota apenas no candidato – e não, paralelamente, na agremiação à qual ele pertence, com a ideologia que esse coletivo eventualmente professe.

A lógica por detrás do distritão é limitar ao máximo a renovação da Câmara dos Deputados. E com a paralela possibilidade de os atuais parlamentares se reelegerem.

Isso é circunstancialmente necessário para que ninguém fique sem o foro privilegiado, já que uma quantidade não especificada de deputados enfrenta a Lava Jato e correria o risco, se voltasse para a primeira instância, de talvez ir em breve para a cadeia.

PMDB, o PT e parte do PSDB concordam com o modelo de eleição. Mas os partidos do centrão – os mais fisiológicos e com menor identidade política – temem ficar desempregados, em razão do desempenho eleitoral de celebridades que disputariam, com eles, o voto do eleitorado menos informado.

“DISTRITAL MISTO”

É o modelo que, segundo o substitutivo que saiu da comissão especial da Câmara, vigoraria apenas a partir de 2022.

Os Estados seriam divididos em distritos que corresponderiam à metade do número de deputados que pode eleger. Seriam 35 no caso de São Paulo, ou quatro, no caso do Acre.

A eleição se daria em cada distrito. E cada eleitor votaria duas vezes. Na primeira, escolheria o nome de seu candidato.

E na segunda votaria na lista de um partido. De cada votação sairia um deputado, ou dois por distrito. No caso paulista, os 35 distritos elegeriam 70 deputados – que é a atual representação do Estado na Câmara.

O sistema vigora na Alemanha. Na França existe o distrital simples, que é bastante democrático, mas impede a representação das minorias e amplia em cadeiras a vantagem de votos das maiorias.

A proposta de adoção do sistema foi estudada em 1987 pela Assembleia Constituinte. Não passou porque iria contrariar o interesse dos deputados que dependem de votos salpicados por todo o Estado que representam, e não concentrados em determinada área.

Era sobretudo o caso, na época, dos candidatos do PT – que dependiam do voto sindical ou do voto católico, geograficamente pulverizados.

A eles se juntaram hoje os pastores ou bispos evangélicos, que têm eleitores espalhados em múltiplos distritos.

Mesmo se aprovado, é difícil assegurar que o distrital misto será um dia colocado em prática. Isso porque a próxima legislatura (2019-2023) teria tempo de sobra para mudar mais uma vez a lei.

FUNDO DE R$ 2,6 BILHÕES

O PT defendia desde 2013 o “financiamento público de campanha”, com base na ideia de que os maiores partidos ficariam com a maior parcela das dotações.

Em 2015, quando a Lava Jato ainda engatinhava, o Supremo Tribunal Federal decidiu que pessoas jurídicas não poderiam mais operar como doadoras. O caso Odebrecht provou que os ministros estavam corretos.

Mas ao puxarem o cobertor, eles deixaram os partidos descobertos. As eleições municipais de 2016 demonstraram que o financiamento por pessoas físicas e pelos fundos partidários seria tecnicamente inviável.

Ou então, como alertou o ministro Gilmar Mendes, que é também o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os menos escrupulosos recorreriam à única fonte clandestina de dinheiro à disposição do mercado eleitoral: o crime organizado.

É justamente o gostariam que acontecesse o PCC e demais siglas do ramo. Do controle da criminalidade, eles fechariam o círculo e passariam também a controlar as casas legislativas.

A verdade e que hoje não há clima, em razão dos resultados da própria Lava Jato, para se reintroduzir o financiamento privado.

Seus defensores querem agora regras muito rígidas, como limites sobre o faturamento das empresas e a proibição de doação a candidatos de partidos rivais.

O presidente do Senado, Eunício Oliveira, disse há dias que uma legislação sobre o tema exigiria pelo menos um ano de negociações e trabalhos parlamentares.

O que, diante da atual pressa, é inviável. Enquanto isso, no entanto, dos caldeirões do Congresso muitas ideias menos democráticas poderão ainda sair.

 

 

Fonte: Diário do Comércio

Link: http://www.dcomercio.com.br/categoria/brasil/deputados-dao-uma-de-cientista-maluco-na-reforma-politica

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